sexta-feira, 17 de abril de 2015

É o mundo que me cospe

O trabalho me cansa. A rotina me quebra. Nos olhos de meus amigos, consigo ver o mesmo desespero. Ninguém está nesse mundo para fazer corpo mole, a vida foi feita para nos bater. E bate com força.

Sou dono de praticamente trezentos e dezoito livros. Tenho coleção de DVD's, bonecos de ação, canecas e até mesmo mulheres. Quem entra na minha casa consegue perceber cada objeto, cada perfume. Quando decidi ao certo que era infeliz, não posso dizer. Até mesmo pelo motivo de que sempre saí por aí sorrindo, dando minha mão quando minha vida escorria pelos dedos. Gosto das pessoas, só não consigo conviver por muito tempo com elas. 

Melancolia. A angústia distorcida. 

Larguei todas minhas coisas para trás. Deixei um pequeno texto feito com caneta de ponta fina, e com folha de papel chamex em cima da escrivaninha. Entreguei no texto meus livros para meus amigos, e meus pêsames a cada um pela sua perda. Minha perda.

Larguei a cidade que crescia com maior valorização a cada ano. Retirei cada centavo da minha poupança e fui embora conhecer o mundo. Quem diz querer conhecer o mundo, na verdade quer fugir da zona de conforto. A zona de conforto nos dilacera, faz com que tenhamos medo de descobrir quem a gente realmente é.

Passei frio. Fome. Peguei chuva e sofri insolação até minha pele implorar medicação. Morei na praia por seis meses. Conheci gringos, crianças sem pai e mãe, a solidão. Descobri que tocar violão é mais simples do que se pensa, e aprendi isso com um mendigo que morou comigo por quatro meses. Formado em filosofia e psicologia, dizia que a loucura do mundo é não aceitar os loucos. Quando foi embora, disse apenas que estava cansado da calmaria do mar e das plantas, e precisava lembrar de como o mundo é cruel. Foi embora para a cidade, largou o violão ao meu lado e um sorriso sem dentes em meu coração.

Quando chegou a temporada na praia, fui para uma cidade de interior do Norte, onde as multidões não se concentravam em gastar dinheiro. Nessa pequena cidade, conheci um casal de velhinhos que nunca conheceu a realidade pesada das cidades grandes, e sabia bem o que era sentir paz. Conversavam gritando um com o outro, mas me respondiam com as mãos entrelaçadas. Era automático, nem sequer notavam. Todo dia pela manhã me entregavam um pedaço de pão, e me pediam para tocar Chico Buarque no violão. 

Passei por sítios, fazendas, praias, matagais, cidades com prédios imensos e somente com uma mochila nas costas. Meu dinheiro havia acabado há algum tempo, e só precisei dele neste tempo para comer. Com a falta de dinheiro notamos a bondade das pessoas. Quem estende uma mão para te alimentar, te proteger da chuva, até mesmo para lhe dar um copo de água, não se importam com o que você tem na conta. A bondade existe, em fim.

Hoje moro em uma casa construída com pau e pedra, no alto de uma montanha. Tem um lago logo abaixo e banho não me falta. Com sementes de frutas e verduras que ganhei de um peão da fazenda, plantei no quintal e esperei o tempo. Matei alguns animais como alimento, fiz fogueiras sozinho, mas não sei mais nada sobre solidão. 

Minha rotina agora é acompanhar o vento para saber se vai chover.

Só então descobri que a vida não bate.

Nos ensina a viver. 

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