segunda-feira, 16 de abril de 2012



Minha vida não é cheia de emoção. Não faço viagens de aventura, sexo com desconhecidos ou saio pelas ruas a noite atrás de drogas. Uma vida comum, para alguém comum. Há quem diga que de pessoas assim não se sai nada que surpreende. Nada que o mundo um dia irá aplaudir de pé.

 Em uma das noites que estava lendo um conto britânico de terror senti alguma coisa passando por mim. Não algo concreto, não deu nem para sentir o cheiro. A única certeza que tinha era dos meus pelos do braço arrepiando em direção  ao teto. Olhei para a janela que havia fechado horas atrás e estava entreaberta.

Engoli o desespero e voltei para a cama. Liguei o abajur da mesa ao lado e no instante que fixo meus olhos na janela, já não estava mais sozinha.

Um homem alto, pálido e com vestes rasgadas estava ao lado do armário. Me olhando com os olhos mais raivosos que já pude encarar. Joguei o maldito livro do outro lado do quarto, jurando a mim mesma que jamais iria ler outra história de terror.

Com passos calmos e sem tirar os olhos do meu rosto sentou-se na cama ao meu lado, pedindo para não ter medo. Eu não tive. Nos primeiros instantes pensei estar com um vampiro, sua pele pálida, seus olhos de uma cor tão diferente e sua aparência de ter vivido a décadas longe da minha geração. O que a gente pensa, nunca é.

Quando perdi o receio de estar na realidade com algo que entra no meu quarto sem ser percebido, perguntei finalmente o que ele queria. Não obtive respostas. Somente sua mão grande e gélida sobre meus dedos e um sorriso que parecia ter esperado séculos para ser entregue. Não sorri de volta, por dentro estava congelada e sem forças para me beliscar e sair de dentro da minha imaginação.

Era como se estivesse dentro de um dos meus contos e estava prestes a ter a cabeça arrancada por uma foice de carrasco e meu sangue escorrendo até o quarto dos meus pais. Aquilo de certa forma me excitou e assustada me levantei subitamente e o homem agora sentado, apenas me acompanhou com o olhar.

"- Eu te procurei por tanto tempo."

Falou deixando aparecer seus dentes brancos e retos. Só quando vi os dentes pude reparar em suas feições. Em seu rosto havia cicatrizes, pequenas, mas visíveis. Quando ouvi sua voz, a sensação que senti foi do som sair de sua boca e entrar pela minha, gelado e fazendo minha barriga se contorcer toda.

Naquele dia eu acordei igual a todo mundo que tem um sonho fora de nexo - sem entender nada. Olhei para o chão e lá estava meu livro, esparramado como se eu não me importasse com suas páginas sem amassados. Nos primeiros instantes pensei que subestimei meu sonho, e na verdade foi um pesadelo que me torturou a ponto de jogar meu livro para longe.

Levantei, me olhei no espelho e havia marcas roxas de dedos no meu pescoço e em meus peitos dentes e chupões. Nunca havia recebido chupões, meu ex-namorado vez ou outra colocava suas mãos em meus seios mas sempre por cima do sutiã. Gostei da ideia de que havia sido estuprada e isso me fez assustar com meu próprio pensamento.

Nunca entendi direito meu sonho e nunca entendi direito porque desde então sempre sonho com ele. Sei que todas as vezes ele diz que vem me procurando a muito tempo, e tenho sonhado com as cenas de sexo todos os dias.

Talvez eu não seja tão normal quanto pensei, mas pelo menos vou para cama cedo todos os dias. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Amor é coisa de criança


Hoje quando voltava do trabalho parei para descansar um pouco no parque. Era uma hora bonita do dia, o céu misturava em cores e já não conseguia distinguir o vermelho do laranja. Sentei no primeiro banco que encontrei e ao meu lado estavam dois meninos que aparentavam um desconforto entre si. Descontentes em sua companhia.

Ignorei a tristeza existente ao redor e voltei para admirar as cores que mudavam agora para um tom ainda mais confuso. Quando o sol se pôs por completo senti meu pulmão sugar todo o ar e soltá-lo com um alívio distante de mim.

A semana havia sido difícil, e finalmente surgiu tempo para organizar meus pensamentos e ideias. Evitava falar de sentimentos e sobre o que me constituiu ao decorrer da vida. Não é fácil amar nos tempos de hoje, e sabia disso. Sinto que perdi muito tempo olhando fixamente para uma estrela que antes me pareceu um avião. Sei que sem notar, um dos meninos se sentou ao meu lado e me olhou fixamente. Antes que pudesse pronunciar qualquer surpresa, o menino de cabelos pretos e enrolados voltou o rosto, olhou para a mesma estrela e disse:

- É verdade que não existe o amor? - suspirou - Meu amigo disse que é conto de fadas e não senti mais vontade de conversar com ele. Foi embora bravo e fiquei aqui sozinho. Percebi que olhava para o céu e pensei que também estivesse triste, e quando não é por amor que as pessoas ficam triste é por dinheiro. Você está triste por dinheiro?

Soltei um riso diante da inocência de uma criança em sair de seu banco e ir conversar com uma estranha. O menino não parecia ser pobre, pelo contrário, usava bom tênis, camisa de marca e óculos de grau que devem me custar um mês de trabalho. Vendo que hesitei em responder, me olhou novamente e sorriu.

- Você não tem cara que sofre por dinheiro. Mas sabe, minha mãe diz que dinheiro não compra felicidade, e meu pai diz que dinheiro só não compra amor. Fui contar isso para o Pedro, meu amigo que estava aqui, e ele me falou que seus pais diziam se amar, mas hoje o pai dele mora com uma moça em outra cidade e que amor é pra pessoas idiotas. Você também acha isso?

Soltei um sorriso entre dentes e falei:

- Se amor fosse para idiotas, grandes referências como Chico Buarque, Cazuza e Elis Regina não falariam sobre ele. Creio que amor é para quem acredita, não?

- Não sei quem são esses, mas você tem cara que sabe das coisas. Aliás, todo adulto tem. Queria ser grande logo, para mostrar que sei das coisas. - mexeu em uma folha seca jogada no banco e continuou - Todo dia dou meu lanche para uma menina da minha escola, e fico sem comer. Não faria isso por mais nenhuma outra, isso é amor? 

- Se gosta de ter ela por perto, e fica feliz quando a vê feliz com seu lanche, é uma das qualidades do amor. Não precisa ser padronizado, entende? Tem casal que se ama muito, mas se separam às vezes por motivos que o amor não pode interferir, pode ser o caso dos pais do seu amigo.

- É. Você fala difícil, mas eu consigo entender. Meu pai é advogado e vive dizendo que amor não existe nos contratos de divórcio, não da para dividir em separação de bens e calcular perdas e danos por isso. "O amor é um estrago que já vem sem reembolso." Quando solta essa frase, não entendo bem, só que sempre o observo rindo de lado e bobo para minha mãe, então entendo que não é possível colocar sorrisos bobos no papel e pedir dinheiro em troca.

- Algumas pessoas mantém o privilégio de fazer o amor durar pela vida inteira. É para poucos.

- Só não entendo o porquê de você ser tão calada. Meus pais dizem que converso muito, e converso mais nos dias em que a menina da minha sala, a que dou o lanche, pede algum material emprestado. Fico sorrindo para ela do modo que meu pai sorri para minha mãe, e torço para me devolver o material após a aula, assim podemos ir até o pátio para conversar. Ela é linda, sabia? Não conseguia diferenciar bonito do feio, então vi que ela tinha uma mecha do cabelo torta e achei aquilo engraçado, mas um engraçado de querer ter sempre aquilo por perto para mim. Soa estranho? 

Comecei a rir diante do menino que não parava de contar histórias. Falava, perguntava, e no fundo, meu desejo era soltar de uma vez que amor era algo que não existia mais, extinto como os dinossauros. 
Só que tudo fazia muito sentido, ficava olhando ele dizer como se fosse uma pequena miniatura de mim. Passamos horas conversando enquanto seus pais faziam compras no shopping. Apresentei meus poetas preferidos e músicas mais tocadas. Não quis contar que por amor há dias em que a gente sofre, perde o coração e não consegue de volta. Esses detalhes o tempo nos faz descobrir sozinhos. Também não quis contar que a menina da escola era só uma paixão, afinal, nunca se sabe.


Sei que voltei para casa com um brilho diferente naquela noite, como se a estrela que olhei por tanto tempo tivesse voltado comigo.

Não cheguei a dizer para ele... Mas sabe de uma coisa?

Ainda bem que o amor existe.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

De todas as melhores coisas


Você sempre me disse que eu colocava sentimento demais nos meus textos e deveria deixar as coisas mais subtendidas. Talvez por ser tão minha amiga e não querer que meu lado mais fraco fique sempre a mostra. O problema é que nunca consegui deixar de escrever tudo o que pensava e mesmo assim você nunca deixou de ler e pensar que talvez do meu jeito errado as coisas estivessem certas.

O problema é que você sempre foi minha solução. Nossa relação nunca foi muito normal. Há quem ache que fomos namoradas e só assim eles explicam nossa amizade com laços tão fortes e quem fale que eu nunca fui boa influência e você com seu jeito de princesa só era corrompida por minhas impulsividades de matar aula, chorar com desenho ou até mesmo reprovar de ano.

A verdade é que eu sou uma desajeitada que se deu muito bem com seu jeito de organizar as coisas. Eu falo muito sobre amor, mas acho que nunca te falei que você é meu maior amor.

Você sempre foi meu lado oposto. Um repouso que uma encontra na outra nos momentos de choque da vida. Você já foi embora da minha vida, disse que me odiava, que meu signo era uma merda e nossa amizade é uma das melhores coisas da nossa vida.
A gente sempre levou uma vida muito do nosso jeito. Se tava ruim pra uma - a outra organizava. Foram anos analisando o que uma dizia por olhar e conversando por sorrisos em um lugar lotado de pessoas querendo descobrir do que estávamos dando risada.

A vida pra gente nunca foi muito fácil, só que também não foi nada impossível. Se for fácil, eu não quero; se você for, eu vou junto. Sempre foi assim.

E estamos indo juntas há não sei quantas vidas. Lembro até hoje quando eu entrei naquela escola com cara de poucos amigos e sai de lá com o sorriso escancarado de que sem dúvida não iriamos desgrudar nunca mais.

Dizer que você é minha irmã é quase um clichê mal inventado. É quase uma mãe, parte de mim incondicionalmente. Odiar uma mãe é quase uma blasfêmia, e é o que eu sinto quando penso em sentir raiva de você.
Porra, temos defeitos pra caralho. Você odeia minha falta de calma nas coisas e eu odeio sua falta de senso emocional. Sei que acha graça do meu inglês mal estudado e eu acho graça quando diz que ta gorda só porque aumentou dois números de calça. Te acho feia quando ta linda e você diz que eu to fedendo quando acabei de passar meu perfume preferido.

Você é minha desculpa para não ter que sair quando não quero, afinal, eu odeio sair. Vou te colocando na minha vida como se você fosse ficar pra sempre, e eu sei que vai.
As pessoas mudam e mudam demais. Você mudou tanto nos últimos anos que tenho que voltar na minha gaveta empoeirada para lembrar como era antigamente. Só que no meio de tanta coisa mudando, tanta coisa indo embora, tanta coisa ferrando nossa cabeça, eu sei que no final passamos despercebidas no meio dessa confusão toda.

E eu realmente não sei como viveria hoje sem nossos acessos de amizade repentina. Nosso jeito de ir levando a personalidade da outra no peito, de rir quando nada ta certo mas sabemos que temos alguém pra comprar chocolate e reclamar da vida no fim do dia.

Volto a dizer que no meio de tanta coisa errada, você é a mais certa. Tudo bem que as vezes você tem lá seus acessos de ciúme, fica de cara fechada, diz que eu não posso me apegar amigavelmente com mais ninguém e que preciso parar de ser fofa com as pessoas. Só que nossa vida é muito nossa pra deixar alguém mais se aprofundar nela.
Me atrevo a comparar amigos com aparelhos eletrônicos, sempre precisamos de vários e são essenciais para nossa vida. Tem amigos música, amigos internet, amigos mensagem e amigos telefone. E quando eu penso assim, que cada amigo é uma função e são todos importantes demais nesse novo mundo em que vivemos, cheio de coisa fodendo o sistema... Você é um Iphone que encontrei perdido no meio da rua.

Essa é a hora que você me olha com cara de que não tem ideia do que estou falando mas que no fundo entendeu muito bem minha viagem. Meu jeito de andar nas nuvens com teu jeito de firmar os pés no chão. Você fala sobre Freud e eu falo sobre Pikachu. Você me diz que quer assistir um romance e eu te levo um filme de terror. Acaba você me mandando fazer comida e indo dormir.

Você é minha melhor amiga. E hoje eu posso dizer isso sem medo dos rótulos. Porque eu sei que quando chegar a hora de todo mundo partir, até mesmo você, é você quem volta. E eu vou te apresentar pros meus novos amigos como se eles nunca pudessem ser como você. E eles que vão ficar com ciúmes, e vai ser o pior ciúme que existe. Afinal, eu tenho o maior amor do mundo.