terça-feira, 28 de agosto de 2012

Antes que eu vá


Sempre tive a impressão que ela não ficaria. É como se nela eu visse um desses homens que as mulheres vivem reclamando que não ligam de volta. A gente sabe reconhecer pelo olhar, pelas batidas rápidas do peito esquerdo. Tive que me ocupar de manias que antes odiava: jogar baralho com os amigos, beber destilados em casa de desconhecidos e dar uma de sociavelmente sociável. Ela odiava quando eu era sociável. Me dizia coisas como: "Para de querer aparecer pros seus amigos." Mas no fundo eu sabia que ela só não queria que aquelas meninas solitárias enxergassem um pouco de companhia em mim. Ela nunca dizia, mas eu precisava ser só dela.

Então passei a me encher de álcool e solidão. Essas solidões rodeadas de pessoas que textos clichês e redes sociais vivem falando. Mas a solidão clichê não sabe o que é ser sozinho esperando alguém que realmente existe. Alguém que já esteve ali pelos mesmos motivos que você quer que ela volte.  De qualquer modo, passei a virar um homem triste por dentro e de sorrisos cheirando a álcool por fora. 

Foi a pior fase da minha vida. Passei a fumar e criar planos que nunca seriam reais. Planos de viajar e ser só dela para a vida inteira, afinal, com todo o amor que tinha era impossível não voltar para mim. Por amor a gente volta até pro mais negro dos corações. 

Mulheres e sexo por um tempo foi uma distração compensatória, mas me esvaziava a cada tragada de cigarro que eu dava depois de um orgasmo forçado. Sozinho, triste e cantando poesias vazias pela fumaça que saia de minha boca.

De todas as mulheres que já deitei, gozei e esperei, ela foi a que mais me fez infeliz. Infeliz com sua partida e promessas deixadas na cabeceira da cama quando saiu. Hoje sei que meus amigos só me davam apoio moral, que os livros de auto ajuda só foram feitos para aumentar as prateleiras das livrarias e que o amor estraga até o mais alegre dos palhaços.

Não tenho volta, talvez porque ela também não tenha. Deve estar em alguma esquina por aí reclamando do tempo, da preguiça que sempre teve de voltar de sua faculdade até sua casa, achando que esqueceu alguma coisa enquanto andava com a cabeça nas nuvens.

 Talvez seja essa a nossa diferença: enquanto ela me esquece por ser distraída, me distraio só pra ver se a esqueço.


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um amor no divã



A questão é que você sempre foi tão incerta, compreende? Dizer que era o fim nunca foi bem o fim, então pensava que só precisava ir lá, tomar seu ar e um pouco de vinho pra pensar melhor e voltar.

Claro, tinha os dias que tomava suas bebidas e acordava na cama de outro. Uma cama maior e com mais travesseiros do que a minha, daqueles que você afunda quando deita e não pensa em mais nada do lado de fora do prédio. Pensava até que o problema eram os meus travesseiros, por isso fui na melhor loja da nossa cidade e comprei tudo o que você queria, só pra te deixar feliz.

Sempre fiz tudo pra te deixar feliz, não fiz? Talvez por isso sempre voltou. Não, não era por mim. Tinha seus romances de duas semanas e festas cheirando a vodca barata, nesses dias, nunca me procurou. Quando me ligava era pra contar como conheceu um dos rapazes mais lindos e bem sucedidos que já encontrou andando por aí, e que seu coração perto dele parecia um tambor em pleno carnaval.

Essa é a hora que finjo ser seu ombro amigo, não é? Tudo bem, um riso forçado e um elogio de como você é linda para justificar o motivo do homem mais incrível do mundo ter ficado apaixonado por você. Eu poderia ser o homem mais incrível do mundo, mas pra você era só uma ligação pós festa e um encontro pra uma café na esquina da sua casa.

Sempre o lugar mais prático pra você, não? Só que eu não sou o cara mais incrível do mundo, e  o que faço é só pra te fazer feliz.

Passo dois dias decidindo uma roupa pra ir tomar o tal café, enquanto você passa dois dias pensando pra casa de quem vai no final de semana. O auge do meu mês é te ver, o auge do teu é conquistar o rapaz da academia que te ensina como evitar dores musculares.

Pensar que alguns anos atrás me dizia que seu sonho era envelhecer comigo e montar uma casinha de sapê no lugar mais afastado da terra. Levo tudo ao pé da letra, se lembra? Como aquela vez que me mandou te dar o mundo inteiro e te fazer feliz para sempre... Ainda tô tentando.

Só que sei, com o tempo você vai encontrar um cara  que vai te fazer feliz sem esforço, sem travesseiros novos e poemas amanhecidos ao lado de sua cama. Nesse dia eu vou sumir, sumir devagarzinho por dentro feito um caracol com medo.

Nunca vou ser esse tal cara incrível que você sempre procura, mas, se não for pedir demais... Só me deixa tentar ser.

sábado, 4 de agosto de 2012

O passarinho feio



 Quando era mais novo morava em uma vila na rua cinquenta e sete, o lugar mais triste para se viver. As árvores recebiam o silêncio da prefeitura e por isso eram secas e desnutridas, como essas crianças que vemos na África hoje em dia. Quase não fazia sol, o clima não era frio e por isso a sensação era de que sempre havia chovido. "Umidade em alta" - dizia os noticiários. Poucas casas, e vizinhos tão ranzinzas que os enxergava em preto e branco.

Minha família morava lá por falta de opção. Meus avós também eram pessoas em preto e branco, mas meus pais nasceram coloridos, e acho que eles também me enxergavam colorido. A única cantoria que se ouvia na rua cinquenta e sete era as do galo do Sr. Arnaldo - meu vizinho do lado esquerdo. Não era uma cantoria feliz. Pibou, tinha perdido uma das pernas em uma dessas brigas de galo de cidadezinhas vizinhas e seu cacarejar aparentava mais um pedido de socorro do que bom dia.

Naquela época não existia televisão, internet ou essas coisas pequenas que as pessoas levam nos bolsos. Sou um homem muito velho e tudo o que tive na minha vida desde criança foi minha imaginação e um pouco de memória na gaveta.

E foi de uma das minhas gavetas mais empoeiradas que me recordei de Volgo, meu passarinho de estimação.

Costumava ser um moleque que andava pelos quatro cantos da cidade e sempre descobria um novo lugar para se distrair. Uma dessas vezes quando percorria o bosque da mansão Peixoto, após ter entrado pelo muro sem ser percebido, me deparei com um passarinho preto jogado sem jeito no portão do jardim. Me aproximei e percebi sua asa quebrada e um pouco de sangue em seu bico. Não era um pássaro bonito, poderia muito bem se tornar protagonista de um desses filmes do Hitchcock sobre aves que matam e assombram toda uma cidade.

Mesmo assim levei para casa. Sabia que os meus pais iriam vir com o discurso de doenças que bichos de rua transmitem, por isso o escondi. Sei que se fosse um gatinho ou um cachorrinho eles me deixariam ficar com Volgo, mas ele era um pássaro feio e tudo que consideravam feio era ignorado.

Não foi difícil consertar sua asa quebrada, pelo contrário, tive aulas de primeiros socorros na escola quando criança e ele era um bom pássaro, quase não tentava fugir.

Depois de meses Volgo fugiu. Cheguei da escola e encontrei sua gaiola aberta e vazia com todo o alpiste que havia deixado naquela manhã. Sempre deixei sua gaiola aberta, nunca tentei segura-lo comigo, não queria que ele fosse um pássaro triste de uma cidade triste. Só que depois de tanto tempo comigo, andando em meu ombro e comendo a comida do pet shop da esquina... pensei que nunca partiria.

Claro que com a gaiola aberta ele dava voltas pela cidade, mas sempre voltava. Quando ele partiu meus pais pensaram que me encontrava em crise de adolescência, uma garota tinha partido meu coração ou coisa do tipo. Foi com Volgo que aprendi a lidar com a liberdade e que soube que o amor só é difícil quando acreditamos que ele nunca vai embora.

Ele era um pássaro feio de uma cidade triste com pessoas em preto e branco, que ocupou um dos lugares mais coloridos do meu coração. Pode ser só uma história de um velho solitário sentado na varanda de sua casa, mas perdi a conta de quantos passarinhos passaram por minha vida e queriam ter a liberdade de Volgo.


Talvez o amor tenha mesmo cheiro de liberdade.

Ou quem sabe, só aquela tal presença de saudade.