quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Via de coração duplo

Cheguei em casa como quem chega ao céu. Joguei minha bolsa em qualquer canto da sala e os livros pelo caminho do quarto. Era tanto cansaço que não sabia mais se era físico ou emocional, só precisava não estar ali. Não queria pensar nos problemas, mas os problemas viviam para mim e eu costumo ser uma pessoa responsável. Mas não naquele dia.
Tirei meus sapatos apertados, desabotoei o short e amarrei meu cabelo. Pensei em ligar, mas quando coloquei a mão no celular havia uma ausência. Sempre tinha uma mensagem ou ligação perdida, pois minha rotina nunca deixava perceber uma ligação. Naquele dia só ausência.
Me deixei ser ausente também. Joguei o aparelho no sofá e fui até a cozinha. Me empanturrei de comida: doces, massas, frituras, refrigerante. "Não era fome." Pensei.
Como é que só percebemos que o vazio não é fome, depois de tanto comer? Pensei em voz alta enquanto ligava a TV e passava os canais com a cabeça em outro mundo. Desliguei. Por um momento relutei em me desligar, mas lembrei que o botão estava estragado. "Amanhã eu mando arrumar." Nunca mandei.
Sai horas depois para dar uma volta no parque frio e sem movimento. Havia um carrinho de pipocas parado ao lado do banco mais próximo do lago. O cheiro me lembrava o gosto de sua boca quando íamos ao cinema. Comprei e joguei toda a pipoca para os pombos. "É aí que você deve ficar. No chão e na boca de aves." Dei um pequeno sorriso mas nada que me deixou mais alegre.
Voltei para casa e me atirei na cama, com roupa e tudo. Enfiei a cabeça entre os travesseiros e me permiti chorar. Chorar até sufocar com a saliva, até bufar de incapacidade de mudar a vida, até não sentir mais você.

Acordei no outro dia bem mais feliz e com fome, e hoje já não derramo uma lágrima ou pipoca que seja por você.

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