quarta-feira, 1 de julho de 2015

Deixe as luzes acesas




O aeroporto estava lotado de horários marcados e roteiros atrasados. Ia pegar o avião para Guarulhos mas novamente o receio de embarcar. Verifiquei uma ou duas vezes se era por esquecimento. Carteira no bolso, passagem no blazer, malas fechadas e não, tudo ali. Quem sabe fosse um daqueles dias em que um ônibus parecia mais seguro, só de estar ali, navegando em terra firme.

Não sou um homem acostumado a viver sob regra do destino. Nem mesmo sei se acredito em destino. Estamos vivendo dia após dia em um efeito borboleta constante, não adianta culpar Moros por cada passo em falso no qual tropeçamos.

Fui casado duas vezes. Quando me perguntam com os olhos calibrados de pena se fiquei mais desiludido com o amor após os anos seguintes, solto um sorriso. Nunca sei o que dizer. Não sabia o que dizer sobre o amor até mesmo antes de me casar, e naquela época, no qual Legião Urbana estava no auge do seu sucesso, só passava em minha cabeça a resposta: "Eu só queria estar ali, sempre ao lado dela, eu não tinha onde ir."

Quando ela me deixou, minha juventude ainda existia. Foi fácil entender que seria passageira a vontade de arrancar o tórax por falta de ar no peito. Era só mais um camundongo velho passeando nos becos sujos de esgoto da cidade de São Paulo. Olhando meninas nos olhos e virando uma dose de 51 em seguida. Comecei a questionar se o amor na cabeça das pessoas, era a tal ausência de solidão. Quem te tira a solidão pode ser quem te faça feliz? É o que todos achavam.

Minha segunda esposa tinha pavor de avião. Sempre viajávamos de navio ou carro. Penso que se separar de alguém não te impede de viver para sempre com a sombra dela em sua vida. A convivência te traz partes de uma personalidade que a outra pessoa molda, e é só dela, mas acaba se tornando sua também. Sei que avião é seguro, mas ao sentar no banco, contei até dez e já verifiquei se o calmante estava no bolso de trás da calça.

Dessa vez em que me casei, ninguém perguntou se o amor era importante para mim. Só um louco casaria pela segunda vez com a mulher errada. Colocava meus Cd's do Renato Russo e a fazia ouvir todos os sábados, enquanto uma garrafa de vinho branco fazia residencia em nossa mesa. Me trazia torradas pela manhã e gritava quando o gato dormia em cima das suas roupas no armário. Seu sorriso apertava suas bochechas e os dentes pareciam brilhar mais do que os olhos. Casar não é fácil, ainda mais pela segunda vez. Lutar por algo que se gosta, não é fácil, nem que seja a oitava vez.

Prefiro não acreditar em destino. Prefiro não suportar a verdade de que algo além do meu controle fez minha segunda esposa morrer em um tempo qualquer. Onde nem ao menos pude dizer que foram suas calcinhas penduradas no chuveiro e seu cabelo esparramado na cama todas as manhãs, que me fez deixar de lado o medo de temer o amor. Quem sabe se tivesse deixado para fazer a surpresa das flores um dia antes, ou mentisse que estivesse doente para não trabalhar e passar o dia com ela, a morte não apareceria de surpresa e tiraria duas vidas assim tão facilmente. Quem permanece vivo também morre e o mundo me pegou em uma só fisgada.

Não pretendo me casar novamente. Quem sabe adote outro gato e compre novas garrafas de vinho. Continuarei dormindo todas as noites ouvindo ela cantar em meu ouvido sua música preferida.

Onde a abraçava forte, e dizia que já estávamos distantes de tudo,

pois nós temos todo o tempo do mundo.

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