quinta-feira, 11 de abril de 2013

O dia que ganhei um coração



Antes de você chegar, faço as contas de quantos suspiros já dei da cozinha até o quarto. Vou ao banheiro, me olho no espelho, abro a geladeira de duas portas e mais parece que estou abrindo um buraco negro e tentando sair de todo esse frio que meu corpo produz do estômago até o começo da espinha. Tento não deixar a casa organizada demais, afinal, sua chegada nem é tão importante assim para limpar tudo. Sujo dois pratos comendo o resto da comida chinesa e um pedaço da minha fracassada torta de limão da noite passada. Pronto, o telefone já pode tocar.


Oito horas e dois minutos. Pontualidade britânica se não fossem os dois minutos em que ficou dentro do táxi esperando a máquina do cartão finalmente passar. Desço e espero com um sorriso de lado, sorrisos assim te irritam, mas é melhor do que mostrar os dentes. Abro todas as portas da minha casa e falo para esperar no sofá enquanto vou mexer em alguma coisa na cozinha. Nunca mexo em nada. 

Volto e lá está, olhando para o mesmo quadro que sempre encara quando te faço esperar. Tento fazer alguma piada, perguntar alguma coisa, mas sempre é como se tudo estivesse bem. Nunca sei se realmente está, mas olho pra baixo e finjo estar com fome, só assim concordamos em algo e nos olhamos dentro dos olhos. 

Conseguimos ficar em silêncio a maior parte do tempo sem nos sentir desconfortáveis, mas sempre estamos. Reparo que o seu cabelo está preso com uma presilha diferente e sua unha com o esmalte descascando. Não tem muito assunto, sempre a mesma coisa, sempre a mesma certeza de que não precisa dizer muito pra se sentir bem.

Meu telefone toca.

A voz do outro lado diz que acordou querendo me ver, mas digo que estou com uma amiga assistindo filmes e semana que vem a gente marca alguma coisa. Desligo o telefone e já não lembro quem era. Volto a encarar a presilha presa em seu cabelo bagunçado e acho aquilo a coisa mais linda do mundo, mas não digo. 

Ela diz que pareço um homem de lata, fingindo ser de aço mas no fundo só quer ter atenção e um coração. Eu digo que ela é um leão covarde que pretende ser o dono da selva, mas na hora não tem força pra aguentar a pressão. Brigamos a noite inteira por causa de uma comparação boba com o filme "O mágico de Oz", e quando parece que finalmente um vai ignorar para sempre a outro, aparece um sorriso aberto e um empurrão que deveria ser um abraço. 

Sempre dormirmos na metade dos nossos planos. Nunca assistimos todos os filmes, ou comemos todas as comidas que pedimos. A gente tenta não dormir, mas sempre cochila nos intervalos. É a hora que se levanta e vai embora. Chama o táxi, despede e agradece sabe-se lá pelo quê. 

Ela entra no táxi e meu sorriso de canto vira um sorriso entre dentes, mas ninguém vê. 

Finalmente o homem de lata ganhou um coração.

E é uma ironia ela não saber... que é todo dela. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário