quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Como vai, estranho?



Olá, estranho.

Sei que não gosta de ficar curioso, ou não saber o que está acontecendo a sua volta... Mas venho te observando há tanto tempo. No começo foi por diversão, achei engraçado como você andava e dirigia seu carro com um braço pra fora da janela. Coisa de gente confiante, mas isso é imaginação da minha cabeça. Onde já se viu ter confiança por dirigir com um só braço?!. Deve ser porque não sei dirigir ainda, essas coisas me assustam.

A verdade é que quando te vi a primeira vez estava com um blazer azul marinho e um tênis esportivo. Tão tolo... Nunca mais te vi assim, acho que usou aquela roupa apenas para eu te perceber. Um rapaz tão tolo, e tão confiante.

Deve estar pensando quem é a maluca que esta te vigiando e te mandando essa carta, afinal, quem manda cartas hoje em dia?

Um desses dias, vinte e oito do seis, para ser mais exata, te vi olhar na caixa de correio vazia, suspirar e voltar para casa com um dos seus roupões furados pelo cigarro distraído em sua mão esquerda. Descobri que perdeu sua mulher há pouco tempo, e se sente sozinho mesmo com esse sorriso brilhante cheirando a tabaco que imagino ter.

Não quero aplacar solidão de ninguém e nem dizer que por te vigiar vinte e duas horas ao dia serei a mulher ideal. Sei que não sou. Veja só, temos a mesma idade e nunca fui casada, não por opção, mas por descaso. Todos os homens acham que eu posso oferecer o mundo para eles, como quem entrega sementes de rosa e se torna uma imensa plantação. Não poderia oferecer isso nem mesmo para você, estranho.


Pra ser sincera, estou morrendo, estranho. Peguei uma doença mais rara que esse tal de amor  que tanto dizem por aí. Os médicos falaram que atingiu meu cérebro e irei perder a noção das coisas em poucos dias. Das coisas que ainda não conheço, você é que me fará mais falta, e olha que te conheço muito bem, apesar de tão estranho.


Te vigio há exatos três anos, oito meses, dezessete dias, cinco horas, vinte e três minutos e quarenta e cinco, agora seis, segundos. Muito tempo, não é mesmo? Para mim passa rápido, chego do trabalho e da janela já te vejo deitado no sofá, com um samba canção surrado de tanto ser lavado. Entreguei o jogo, não é mesmo?

Moro em um lugar que da para enxergar metade do seu apartamento. A sala, a cozinha com vasilhas sujas que só são lavadas duas vezes por semana, e seu banheiro. Sei que fica horas se olhando no espelho, arrumando o cabelo e fazendo pose para atrair a moça do duzentos e um que sempre vai na padaria.

Já te vi conversando com ela várias vezes, cabelos longos, vestido florido e bolsa de mão. Pena que ela não te enxergue como eu enxergo. Quem sabe você não deva usar o blazer e os tênis outra vez?

Gostaria de continuar te observando, vendo você tomar cerveja sozinho enquanto fuma um cigarro olhando para o prédio mais alto da quinta avenida. Sei que vai ler essa carta como quem lê uma declaração da menina feia da escola, e talvez eu seja.

Não fique perguntando para si o motivo de nunca ter falado contigo, esta é a última das minhas verdades: A gente nunca pode aprofundar demais no desconhecido, mesmo que ele já faça parte de nós.

Guardei um dos meus melhores lugares, de tanto tempo que gastei te lendo e relendo, estranho. E não é estranho? Agora não terei tempo para te ver chegar.

Quem sabe será preciso partir, para você tentar me notar.

Boa noite, estranho.

(...)                  



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