quinta-feira, 28 de junho de 2012

Tranca-afiada


Meus sentimentos são presos em uma cúpula de vidro.

 Me lembro de quando era apenas uma garotinha que vestia as roupas usadas da prima e saia para brincar na rua com seus doze amigos homens. Era uma garota que não tinha nenhuma amiga. Aprendi desde cedo que mulher é esse bicho duvidoso, que arranca os cabelos da sua boneca preferida e diz que ta mais bonita assim. Eu nunca tive boneca, só via essas coisas na escola. 

Na escola eu batia figurinha enquanto a menina mais bonita da sala arrumava seu cabelo e passava maquiagem. Nunca fui a mais bonita da escola, nunca fui a mais bonita de nada, mas eu era muito boa em bater figurinha. Os meninos me adoravam e as meninas me achavam estranha. Eu sempre fui estranha, mas pelo menos não usava césio 137 nos olhos. Onde já se viu, menina de dez anos usar maquiagem? Mulher é exagerada. Eu sempre fui muito homem por dentro, talvez até por fora.

O problema é que tive que crescer. Aprender a ser mulherzinha, e mesmo sendo mulherzinha ainda fui muito homem. Ah, bendita mania feminina e feminista de achar que tudo gira ao seu redor e precisa ser chata para tomar sua posição no mundo. Cara, eu só quero um desenho e um pouco de sossego. 

Aprendi a ser triste com o tempo. Acho que tudo começou quando tive que mudar de casa e minha mãe jogou meus álbuns de figurinha do Pokémon no lixo: - "Pensei que você não gostava mais." Porra, eu sempre disse que ia gostar pra sempre. Mãe não é muito de acreditar em filho, né não? Chorei tanto que ela me comprou uma casa da Barbie. Chorei ainda mais.

Nunca fui uma criança de chorar. Lembro que a primeira vez que chorei na escola foi pra diretora, dizendo que o menino tinha me batido. Ora essa, bateu nada. Ele tinha roubado um dos meus Tazo's e não quis devolver. Ninguém rouba nada de mim, nem mesmo um Tazo repetido. Ele levou suspensão e eu passei três dias rindo da cara dele quando ia dormir. 

Lembro que ia no shopping só para ver as lojas de brinquedo. Nunca comprava nada, sempre ganhei só roupas. Odiava roupas. Meu sonho era ter um game boy e ganhei um tamagotchi. Queria um boneco do Charizard e ganhei uma Barbie do Paraguai. Minha diversão passou a ser assistir Dragon Ball Z na Band Kids. 

Meus sentimentos são fechados em uma cúpula de vidro. Como os brinquedos caros que nunca tive e ficaram expostos na prateleira da loja de brinquedos. Minha infância foi baseada na improvisação. Improvisar que sou menina, improvisar que nada iria me machucar mais do que o álbum do Pokémon jogado no lixo. Cresci com um idealismo masculino, um achismo de que não preciso de muito pra ser feliz. 

O problema é que desde a infância meu coração foi fechado em uma cúpula de vidro, e talvez eu nunca a encontre. 

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